(ou, Ser pai de meninas)
Me lembro muito bem, quando meu primeiro filho, João Paulo, nasceu e em frente ao vidro do berçário, meu amigo Carlos Solrac me disse uma frase que me marcou: “Agora você tem a grande chance de se reeditar”. Durante anos pude ver essa grande verdade acontecendo, a cada fase da vida dele pude reavaliar minha própria vida e me reeditar, me compreendendo melhor.
Quando nasceu a minha primeira menina, a Mariana, eu não fazia idéia da grande aventura que me esperava. Em vez de me reeditar, pude realmente mudar. Ver o mundo, fase a fase pelos olhos de uma menina. A cada nova fase, novo desafio, fui entrando neste maravilhoso universo feminino. Seus medos, suas verdades. Um mundo de uma delicadeza cheia de força e opiniões.
Meu primeiro passo intuitivo em direção ao feminismo (do qual pouco se falava à época) foi pedir aos parentes que não “treinassem” minhas meninas para servirem ao mundo masculino. Percebi rapidamente que aos meninos era oferecido um mundo lúdico, de aventuras e desafios, mas às meninas um treinamento subliminar de serviço e submissão. Várias fases se passaram e essa doutrinação sempre esteve pairando sobre suas vidas, exigindo delas muito mais que dos meninos.
Passei a admirar meninas fortes (o Nescau acaba de lançar uma campanha fantástica com esse título). Meninas que vão a luta, que tem objetivos, que não tem barreiras. Não que elas não tenham medo, mas usam esse medo como alavanca para a sua própria superação.
A primeira vez marcante que o resultado desta abordagem voltou para mim foi quando a minha filha mais velha, a Mariana, que estava estudando no Rio me ligou e disse: Tenho duas boas notícias. Primeiro é que comecei a trabalhar e a segunda é que você não precisa mais pagar minha faculdade pois agora eu posso pagar sozinha. Ela não precisava. Podia ter juntado um dinheiro para fazer o que quisesse, mas era a sua independência, conquistada e efetivamente paga com sua própria capacidade. Me enchi de orgulho!!! Com a Giovana acho que foi quando ela começou a trabalhar em uma comunidade carente no Rio. Eu provavelmente me sentiria desconfortável trabalhando lá, mas acreditei na habilidade dela em escolher e garantir sua segurança lá. Orgulho novamente!!! Agora me encho de orgulho outra vez, com a Gabriela que foi ao Chile, por conta própria, convidada para participar da produção de um filme. São minhas meninas fortes, pegando o touro à unha e ampliando seus horizontes. Vejo esse traço se perpetuando na minha neta, a Alice, independente, escolhendo suas roupas, não pedindo ajuda em pequenas tarefas e até me “ensinando” como fazer algumas coisas.
Acabei casando com uma “menina forte”, companheira, para andar lado a lado numa vida às vezes dura, mas compartilhada. Uma mulher que me permite pequenos gestos de proteção, se deixando ser frágil apenas por gentileza ao meu cavalheirismo. Tenho essa mesma gentileza das minhas filhas, que permitem pequenos momento de pai protetor, como se precisassem!
Vejo meninas de 6 ou de 66 anos que não aceitam “nãos” onde os meninos tem “sins”. Que vivem em um mundo que se abre para essa mudança, rumo à igualdade de gênero. Fico feliz que minha neta possa viver em um mundo mais igual. Um mundo de meninas fortes, onde os meninos poderão buscar ser fortes da mesma forma, com igualdade, sem precisar subjugar as mulheres ao seu domínio. Sem demarcação de espaços exclusivos. Sem doutrinações.
E hoje, quando vejo homens que necessitam se impor sobre as mulheres, penso: Pobres meninos, ainda tão frágeis.